Mito da depressão, sequestro da alma


Por mais dorido e atormentado que seja o processo do retorno das trevas para a luz, da morte para a vida; é a ascensão de Perséfone ao encontro de sua mãe, saída do estado depressivo. Sendo o mesmo, o mundo afigura-se outro na perspectiva de quem aprendeu e conseguiu resgatar-se.


O sono da razão produz monstros é um famoso quadro de Francisco de Goya, pintor espanhol. #PraCegoVer #ParaTodosVerem

A mitologia costuma dar recados da alma humana, sua inter-relação material e espiritual; quedas e soerguimentos em sua caminhada existencial.


Os gregos denominavam de katábasis qualquer forma de descida, assim, nas diversas mitologias, essa catábase, remete à descida ao mundo inferior, inferno, submundo ou mundo dos mortos. Em escritos e escrituras, muitos desceram às profundezas: Orfeu, Odisseu, Aquiles, Eneias, Dante, (Divina Comédia). Sem esquecer Jesus, que desce ao mundo dos mortos, sem tardar em sua anábase, que é o retorno, saída das zonas inferiores, do contrário, haveria morte, não uma catábase.


Fazendo uma analogia da depressão com a mitologia, sua catábase e necessária anábase; ratificamos e reforçamos a imperiosa carência da percepção dela como algo sério, que transcende ao simples querer, a mera força de vontade de um ego consumido, subjugado pela depressão. Estabelece-se uma espécie de sorvedouro de energia psíquica; diferindo de quem se mantém ativo, cognitivamente e fisicamente íntegro, com a força adequada a sua rotina. Sem isso, a consciência desce, mergulha às profundezas


Remetendo à mitologia: Core, filha de Deméter, colhia flores em sua virginal primavera,quando foi surpreendida; do nada a terra se abriu saltando Hades em sua carruagem puxada por corcéis negros. Apaixonado, o senhor do submundo a levou para seus domínios a mercê de sua resistência. Desesperada, sua mãe descobriu o acontecido através de Hélio. Tentando resgatar Core, encontrou-a transformada na rainha do submundo, Perséfone, esposa do tirano das sombras. Desavisada, sua incauta filha comera sementes de romã, ficando impedida de sair do Hades. Apelando para Zeus, Deméter cobra a liberdade da sua filha, caso contrário, nada na terra floresceria. Cessa forma, o todo-poderoso do Olimpo, conseguiu que Perséfone ficasse parte do ano com o marido e outra com sua mãe. Fazendo a terra florescer quando as duas se encontram. Enquanto isso, os romanos trazem o equivalente mito do rapto de Proserpina por Plutão.


Esse inesperado sequestro, queda, puxada de tapete ou seja lá como defina cada um, bem se pode comparar com a depressão. Como a inocente donzela, segue-se colhendo flores no jardim da vida e repentinamente, por vezes sem qualquer sinal ou aviso, o chão se abre sob os pés, um verdadeiro buraco negro das energias psíquicas faz descer o abismo.


Portanto, se sentir no fundo do posso, fraco, impotente, sem chão… Numa releitura do mito, nos põe diante de um simulacro de morte a nos raptar da realidade, sequestrando as forças do ego, manietando a resistência. Um aparente beco sem saída; tenebroso, assustador, assombrado por monstros e demônios mergulhados no breu. Não se deixar acostumar, aclimatar, acomodar à escuridão; a criatura não pode permitir que Core se transforme em Perséfone. No mito, como na percepção do depressivo, o tempo diverge da cronologia comum; daí, sem pressa mas com obstinada proatividade, perguntar-se o que realmente quer, sem cultivar culpas, se permitir e permitir-se ajudar, exorcizar monstros e demônios. Como ouvi de um palestrante: “quando o depressivo chega ao fundo do poço, se ele bate os pés com força e pula, ninguém mais o segura”.


Por mais dorido e atormentado que seja o processo do retorno das trevas para a luz, da morte para a vida; é a ascensão de Perséfone ao encontro de sua mãe, saída do estado depressivo. Sendo o mesmo, o mundo afigura-se outro na perspectiva de quem aprendeu e conseguiu resgatar-se do sequestro da depressão.


Certo como certas quedas se configuram inevitáveis, não se deixar largado ao solo e como diz a música: “levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima” é o caminho. Nessa linha: Catábase, quando irremediável; anábase, sempre!

Antonio Pereira Apon

Autor do poema: A pedra. O distraído nela tropeçou... Procurando escrever em prosa e verso com a arte da vida.

3 Comentários

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  1. Boa tarde de Paz, amigo Antônio!
    É o mal da atualidade que tende a piorar muito, infelizmente.
    "Uma espécie de sorvedouro de energia psíquica".
    Assim é...
    Forças minadas, trabalho de Resiliência dobrado. Quiçá a bandeira da ascese desfalcada em nosso eu psíquico estardalhaço?!
    Em meio a tantos sequestros, o da depressão pode nos assolar e às melhores famílias...
    Um texto muito bem fundamentado.
    Tenha dias abençoados!
    Abraços fraternos

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    Respostas
    1. Verdade, a coisa tende a piorar nesses tempos alucinados
      que fragilizam e deprimem sorvendo o psiquismo são, adoecendo almas mais e mais.

      Um abraço. Tudo de bom.
      APON NA ARTE DA VIDA 💗 Textos para sentir e pensar & Nossos Vídeos no Youtube.e sua mãe, saída do estado depressivo. Sendo o mesmo, o mundo afigura-se outro na perspectiva de quem aprendeu e conseguiu resgatar-se

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  2. Oi Antonio, tudo bem?
    Muito interessante seu texto abordando depressão e mitologia.
    Abraços!

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